Marcelo Guimarães Lima - Prisioneira,
litografia e xilogravura, 50x70cm, 1986
litografia e xilogravura, 50x70cm, 1986
Marcelo Guimarães Lima - Prisioneira,
aguaforte e aquatinta, 1986
Em meados dos anos 80 eu estudava artes visuais na University of New Mexico, nos Estados Unidos, e escolhi como tema da minha exposição de conclusão do programa de Master of Fine Arts, a ditadura militar no Brasil e a sorte dos prisioneiros políticos e dos militantes contra o regime dos generais: a tortura e o assassinato metódico e sistemático dos oponentes do regime militar. O conjunto de trabalhos (pinturas e gravuras) que realizei foi exposto na galeria do Departamento de Artes Visuais da University of New Mexico em 1986. Tive oportunidade, logo após, de expor parte dos trabalhos no Centro Cultural de São Paulo. A exposição foi breve e sem maiores (ou mesmo menores) repercussões. O que, devo confessar, me causou alguma surpresa na época, menos pela
relativa imaturidade do artista iniciante, mais pela relevância que eu pensava ser a do tema no Brasil pós-ditadura.
Lá se vão varias décadas do fim "oficial" da ditadura e continuamos, no Brasil, a dar abrigo não apenas aos "fantasmas" simbólicos, “psicológicos” ou “subjetivos” da ditadura, mas aos carrascos vivos, ladrões e torturadores, aos políticos que insuflaram, apoiaram e serviram "lealmente" o regime militar, a todos que se beneficiaram diretamente da ditadura militar, incluindo grupos de negócios e alguns dos grandes grupos mediáticos do pais.
Nenhum torturador, nenhum general gorila ou político golpista, nenhum corruptor e corrupto da ditadura, nenhum de seus mandantes, ativistas, ideólogos, executores e beneficiários foram punidos no Brasil. Isto é clara indicação que uma parte da ditadura não acabou, que com ela ainda convivemos . As tentativas recentes de ruptura final com este passado vergonhoso encontram oponentes ativos dentro mesmo das próprias instituições da "democracia plena" brasileira.
Pregar o "esquecimento" do passado como passado revoluto e terminado, como tempo longínquo, apartado e concluído, é argumento falacioso dos que querem de fato preservar a incorporação silenciosa, “inconsciente” deste passado nas estruturas, na ideologia e nos processos do Brasil
de hoje. Pois de fato, a chamada transição democrática no Brasil foi em aspectos importantes, como a denominou Florestan Fernandes, um processo de "conciliação das elites". "Façamos a “revolução” antes que o povo a faça" foi o “mote” do golpe militar de 1964, movimento sedicioso e subversivo da ordem legal do país, movimento antipopular, antinacional, que instrumentalizou as Forças Armadas do Brasil como forças auxiliares da Guerra Fria, a serviço dos interesses dos sócios internos, diretos ou indiretos, da potência hegemônica do seculo XX, de seus associados e subordinados ideológicos, de parcela significativa das classes dirigentes locais contentes na subordinação da nação e no papel de sócios menores em seu próprio pais. "Façamos a transição antes que o povo a faça" foi, por sua vez, o “mote” dos que, na impossibilidade da continuidade da ditadura tal e qual, optaram por abrir mão dos anéis para reter os dedos, isto é, preservar o poder de fato de manipulação e decisão na vida institucional e nos processos vitais do pais.
Marcelo Guimarães Lima - Prisioneira,
aguaforte, 1986
aguaforte, 1986
Os que se posicionam hoje contra a investigação e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de brasileiros que resistiram ao golpe militar e ao regime ditatorial imposto chamam de
“revanchismo” a exigência básica de justiça na vida social e política de uma nação, sem a qual os processos coletivos e os conflitos estruturais e estruturantes da vida nacional tendem a degenerar na
violência e no barbarismo. Deste modo, os adversários da revisão das leis da “anistia” impostas pela ditadura banalizam os crimes cometidos, eximem de responsabilidade os criminosos, ofendem a memória das vítimas e insultam a inteligência e o senso moral dos brasileiros. Esta oposição interessada e articulada pretende “enterrar” o passado, ou melhor, a imagem de um passado que não lhe beneficia hoje, para que os resultados deste passado “esquecido” continue seus efeitos na vida atual.
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